Taxas mistas no crédito habitação atraem cada vez mais famílias

Em tempos de instabilidade, as taxas de juro mistas dão mais segurança a quem tem um empréstimo da casa. Porquê? Explicamos tudo.
30 ago 2022 min de leitura
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Em Portugal, o crédito habitação é uma peça fundamental para completar o sonho de uma vida: comprar casa. E mesmo num contexto de maior instabilidade gerado pela alta inflação e pela subida da Euribor, a procura por empréstimos habitação continua em alta no país. Mas, agora, as famílias estão de olhos pontos em soluções que lhes tragam mais estabilidade financeira, pelo menos, no médio prazo. É por isso que as taxas de juro mistas são, cada vez mais, uma solução em cima da mesa, pois permitem fixar os juros por um determinado período. No nosso país, as taxas mistas com juros fixados até 1 ano variaram entre 1,2% e 1,64%, consoante o tipo de crédito habitação contratado. E com juros fixados  entre 1 e 5 anos oscilaram entre 1,43% e 4,79% em junho. Mas como evoluíram ao longo dos anos? E como se comparam aos restantes países da União Europeia (UE)? O idealista/news mergulhou nos dados do Banco Central Europeu (BCE) e conta tudo.

O apetite por comprar casa com recurso ao financiamento bancário continua em alta em Portugal. Os dados mais recentes do Banco de Portugal (BdP) mostram que nos primeiros seis meses de 2022 foram concedidos 8.370 milhões de euros em novos créditos habitação, um valor 17% superior ao registado na primeira metade de 2021 (ou seja, mais 1.190 milhões de euros). E também o montante total concedido em empréstimos para comprar casa continua a subir, atingindo os 99.156 milhões de euros em junho de 2022 (+4,8% em relação a junho de 2021), apontou o regulador liderado por Mário Centeno.

Os dados revelam que, mesmo num momento de instabilidade, as famílias continuam a recorrer ao crédito habitação para comprar casa. Mas há vários fatores que estão a fazer com que os empréstimos para adquirir uma habitação estejam a ficar mais caros:

  • Preço das casas está a subir: aumentou 17,2% no primeiro trimestre de 2022 face ao período homólogo, segundo os dados do INE. E, com as casas cada vez mais caras, o montante pedido para financiar a compra da casa também será superior;
  • Novas regras do BdP: para proteger os bancos e os titulares do risco de incumprimento, o regulador português tem desenhado várias medidas macroprudenciais, impondo limites na taxa de esforço (até 50%) e no montante do empréstimo concedido (até 90% do valor da escritura). E a 1 de abril entrou em vigor mais uma medida que veio limitar os prazos máximos de pagamento consoante as idades. Esta medida está a encarecer as prestações da casa para quem tem mais de 30 anos, já que estes titulares terão de pagar o crédito em menos tempo;
  • Taxas de juro estão a subir à boleia da Euribor: depois de passarem cerca de seis anos no negativo, a Euribor a 12 meses chegou a 0,992% em julho e a Euribor a 6 meses aos 0,466%, fazendo subir as prestações da casa em várias dezenas de euros. Esta foi uma reação dos mercados à anunciada subida das taxas de juro diretoras pelo BCE, consumada em julho em 50 pontos base. O objetivo o supervisor europeu passa por baixar a inflação,que alcançou os 8,9% em julho na Zona Euro, para 2%.
Crédito habitação com taxa de juro mista
Pexels

Taxas mistas no crédito habitação: uma nova solução para as famílias?

A grande maioria dos créditos habitação em Portugal está exposto à volatilidade o mercado financeiro, já que são de taxa de juro variável. A verdade é que as taxas variáveis sempre foram mais atrativas no país, sobretudo, durante o período em que a Euribor esteve negativa, já que as famílias pagavam prestações da casa mais baixas. “As ofertas de taxas mistas e fixas em Portugal mantiveram sempre um distanciamento significativo face às ofertas de taxa variável, com a maioria das famílias a optarem por soluções de taxa variável e indexada à Euribor”, explica Miguel Cabrita, responsável do idealista/créditohabitação em Portugal.

E há uma justificação simples: em Portugal, as diferenças da TAN (Taxa Anual Nominal) entre as ofertas de taxa variável e fixa eram próximas de 1%, tornando as primeiras mais vantajosas. Já em países como Espanha, “a oferta de taxas fixas e variáveis aproximou-se muito mais, o que conduziu a uma escolha da maioria das famílias por produtos de taxa fixa”, refere ainda o especialista.

"Em fases de incerteza, a procura por produtos de taxa mista/fixa cresce”, Miguel Cabrita, responsável do idealista/créditohabitação em Portugal.

Mas agora o contexto do crédito habitação está a mudar. As taxas Euribor já não estão mais negativas, acabando com os descontos nos spreads (a taxa de luxo dos bancos com os empréstimos da casa). E a subida das taxas de juros diretoras pelo BCE em 50 pontos base poderá acelerar ainda mais a tendência de subida deste indexante para todos os prazos (3,6 e 12 meses). E dado este contexto de instabilidade, “há maior curiosidade para avaliar a possibilidade de taxa fixa ou mista por um determinado período do crédito habitação”, adiantou Miguel Cabrita em entrevista ao idealista/news.

Mas o que é, afinal, a taxa de juro mista no crédito habitação? “Nos empréstimos a taxa de juro mista, o contrato de crédito tem um período em que a taxa é fixa, seguido de um período em que a taxa é variável”, esclarece o BdP. Ou seja, é possível fixar a taxa de juro por um, cinco, dez, 15 ou mais anos, período no qual a prestação da casa não mexe. Após o período de taxa fixa determinado, o titular passa a ter o crédito habitação sujeito à taxa variável, passando a estar exposto à volatilidade da Euribor.

“O que tem acontecido, em resultado do agravamento das taxas, é que alguns clientes têm procurado em lugar de fazer taxa fixa por todo o período de empréstimo, procuram fixar a taxa só nos primeiros anos do empréstimo, seja cinco, dez ou 15 anos, por exemplo”, partilha Miguel Cabrita na mesma entrevista. E qual é a vantagem das taxas mistas? “Não estar exposto a esta volatilidade das taxas de juro, já que sabemos nos primeiros dez ou 15 anos do empréstimo [por exemplo] vamos sempre pagar aquela prestação”, refere.

Vantagens da taxa de juro mista no crédito habitação
Unsplash

Oferta de taxas de juro mistas em Portugal e pela Europa: como está a evoluir?

Em Portugal, a oferta de taxas de juro mista parece atrair cada vez mais os portugueses. O BdP deu conta que entre dezembro de 2021 e maio de 2022, "65% do montante de novos empréstimos à habitação foi concedido com prazo de fixação inicial da taxa de juro até 1 ano" (com uma taxa média de 0,74%). E o segundo prazo de fixação mais utilizado (em 23% dos contratos) foi entre 1 a 5 anos, com uma taxa média de 0,86%. Destes, só 3% escolheu fixar os juros entre 5 a 10 anos (com uma taxa de juro média de 3,41%) e 9% fixou a taxa em mais de 10 anos (com juros de 2,42%, em média), mostram os dados.

Considerando as taxas de juro mistas fixada a 1 ano, a generalidade dos empréstimos habitação em Portugal apresenta uma das taxas mais baixas da UE em junho, de 1,64%. E no caso dos créditos habitação que excluem empréstimos rotativos e descobertos e dívida de cartão de crédito, Portugal apresentou uma taxa fixada a 1 ano de 1,2%, a segunda mais baixa dos Estados-membros com dados disponíveis no BCE.

Já olhando para a fixação das taxas de juro entre 1 a 5 anos na generalidade dos empréstimos da casa, verifica-se que Portugal apresenta a quarta taxa mais elevada dos 19 países da UE com dados disponíveis no BCE em junho de 2022 – de 4,79%. Já excluindo empréstimos rotativos e dívida de cartão de crédito, o nosso país apresenta uma das taxas mistas mais baixas, de apenas 1,43%.

  • Taxas mistas na UE com fixação até 1 ano

A taxa de juro do crédito habitação em Portugal fixada pelo período de 1 ano continua a ser atrativa, situando-se em 1,64% em junho de 2022 para a generalidade dos créditos, de acordo com os dados do BCE. Mas em vários países esta taxa é bem superior a 3%.

É em Malta onde a taxa de juro fixada a 1 ano é mais elevada para os créditos habitação em geral, atingindo os 6,67%. A segunda mais alta é observada na Eslováquia (4,05%), e a terceira na Lituânia (3,59%). Já as mais taxas mais baixas em junho foram registadas na Finlândia (0,82%).

Por outro lado, os empréstimos habitação - que excluem créditos rotativos e descobertos, e dívida de cartão de crédito - com taxas mais elevadas fixadas a 1 ano foram observados na Irlanda (3,47%), seguido da Grécia (2,95%) e do Chipre (2,32%). Uma vez mais Portugal ocupa o fundo da tabela com 1,2%, a segunda taxa mais baixa a seguir à Áustria (1,14%).

  • Taxas mistas na UE com fixação entre 1 a 5 anos

Para a generalidade dos créditos habitação, verifica-se que as taxas mistas fixadas entre 1 e 5 anos são mais altas na Letónia (9,41%). E logo a seguir está a Estónia (5,46%) e a Lituânia (5,06%). Nesta lista, Portugal aparece em quarto lugar com uma taxa mista de 4,79%, seguido de Espanha (4,52%). Já a taxa mista nos empréstimos para comprar casa mais baixas em junho foram observadas na Finlândia (0,88%) e na França (1,19%).

Olhando para a linha cronológica, verifica-se que entre junho de 2021 e junho de 2022, a taxa de juro mista fixada entre 1 e 5 anos subiu em 10 países, tendo sido Portugal que registou o maior salto, de 0,29 pontos percentuais (p.p.). E face ao período pré-pandemia, Portugal foi o que teve o maior aumento de taxas mistas, passando de 2,71% em junho de 2019 para 4,79% em junho de 2022 (+2,08 p.p.).

Nas taxas mistas para os empréstimos habitação com fixação dos juros entre 1 e 5 anos, Portugal atingiu o valor máximo há 12 anos: foi em junho de 2004 que alcançou os 6,21%. Já o mínimo foi registado em dezembro de 2019 (2,79%). Mas, depois de ter atingido o mínimo, a taxa mista no nosso país deu o salto para 4,7% em janeiro de 2020 (+2,19 p.p.) e foi o único país a registar tal aumento neste período, mostram os dados do regulador europeu.

Ao considerar os empréstimos para compra de casa excluindo créditos rotativos e descobertos e dívida de cartão de crédito estendida, Portugal apresenta uma das taxas de juro mistas fixadas entre 1 e 5 anos mais baixas da UE (1,43%). Neste ranking - que conta com dados de 16 países - a Letónia continua em primeiro lugar apresentando uma taxa de 9,86%, seguida da Irlanda (2,63%), Lituânia (2,62%) e Finlândia (2,57%). No fundo da tabela está a França, com uma taxa mista de 1,37%.

Entre junho de 2021 e o mesmo período de 2022, as taxas mistas nos empréstimos da casa com exceções subiram em quase todos os países (12), registando aumentos que variaram entre 1,23 p.p (Finlândia) e 0,14 p.p (França). Portugal também pertence a este grupo, já que a taxa de juro mista deu o salto de 0,66 p.p. 

Optar pela taxa mista no crédito habitação: sim ou não?

As taxas de juro mistas podem ser uma opção para as famílias portuguesas. Mas há que ter em conta que estas podem variar consoante o tipo de crédito habitação contratado e o período de fixação. “Optar pela taxa mista depende da situação de cada família. E depende do momento em que decidimos o que fazer no imóvel e o que fazer na nossa vida. Vai depender também da oferta de taxa fixa. Por exemplo, se oferecer uma taxa fixa a valores a dez anos ou a cinco anos que se ache que a Euribor nunca lá vai chegar, não faz sentido fazer. Só se se achar que é possível lá chegar é que faz sentido, e aí pode-se segurar a taxa”, explica Miguel Cabrita na mesma entrevista.

Mas há uma pergunta para a qual ninguém tem resposta: será que a Euribor vai subir até ao ponto em que as famílias estão hoje a fixar a taxa? “Isso é sempre uma incógnita do mercado”, refere o especialista. A evolução das taxas de juro mistas no futuro “dependerá da discrepância entre as ofertas destes produtos, até porque a subida das taxas de juro também se reflete nas ofertas de taxa mista/fixa”, frisa ainda.

Taxa fixa no crédito habitação
Pixabay

A verdade é que “em fases de incerteza a procura por produtos de taxa mista/fixa cresce”, reforça o responsável. “Há pessoas que preferem pagar mais nesta fase - porque a taxa fixa numa fase inicial tende a ser sempre superior a uma prestação na taxa variável - , mas, pelo menos, ficam com a tranquilidade de que não vai haver oscilação da prestação da casa”, explica Miguel Cabrita.

E em que situações é em que fixar a taxa poderá compensar? Por exemplo, se houver um spread de 1% e a taxa Euribor rondar os 2% durante cinco anos, as famílias vão pagar uma TAN de 3% durante esse período. E quem fixar a taxa de juro por cinco anos de empréstimo a 2% irá compensar 1%.

Mas quem é que deve ter especial atenção às taxas de juro mistas? De acordo com Miguel Cabrita, “para as famílias que têm o orçamento mais reduzido é aconselhável avaliar bem o cenário de taxa fixa ou mista mesmo que paguem mais numa primeira fase, pois em caso de subida acentuada da Euribor podem ser apanhadas desprevenidas. Os restantes é decidirem se querem estar expostos ou não à volatilidade da Euribor e se o preço mais alto a pagar no imediato pela taxa fixa se justifica ou não. A decisão acaba sempre por ser pessoal”, conclui.
 

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