Euribor e inflação a subir: menos poupança e dinheiro para gastar Como é que a subida dos juros vai afetar os orçamentos familiares? E como podemos proteger a carteira? Os especialistas respondem. 05 mai 2022 min de leitura Índice de conteúdo A inevitável subida das taxas de juro pelo BCE Qual o impacto da inflação e da subida da Euribor nas famílias? Que fatores influenciam a subida dos juros? Como proteger a carteira? Evitar dívidas novas, amortizar créditos e apostar em taxas de juro fixas A transformação da economia mundial está a acontecer a olhos vistos. A guerra da Ucrânia veio baralhar as contas e por um travão na recuperação das economias depois do trambolhão dado na pandemia. A inflação está a subir vertiginosamente e, para a travar, o Banco Central Europeu (BCE) terá mesmo de aumentar a taxa de juro diretora. Tudo isto já tem mexido com os mercados monetários e financeiros e os resultados estão à vista: as taxas Euribor estão a crescer rapidamente. E este cenário terá consequências paras as famílias, que perdem poder de compra e veem as prestações da casa subir. As cartas estão lançadas e a era do preço do dinheiro em mínimos históricos de 0,0% deverá chegar ao fim em breve, depois de dez anos de estabilidade. A subida da taxa de juro diretora pelo BCE está cada vez mais perto. Isto porque o regulador europeu ver-se-á obrigado a subir as taxas de juro para travar a subida da inflação no espaço europeu, que atingiu os 7,5% em abril, de acordo com a estimativa rápida do Eurostat. Luis de Guindos, vice presidente do BCE, e Christine Lagarde, presidente do BCE / BCE São vários os sinais dados pelo BCE nos últimos meses e todos apontam para uma subida da taxa de juros diretora para o a segunda metade de 2022. A presidente do BCE, Christine Lagarde, e o vice-presidente, Luis de Guindos, insinuaram nos últimos dias que esta decisão monetária pode chegar no verão. E também são cada vez mais analistas e economistas que dão como certo que no segundo semestre deste ano vamos assistir a vários aumentos desta taxa de juro. Estas intenções já se têm refletido na flutuação das taxas Euribor. O crescimento mais rápido foi mesmo o da Euribor a 12 meses: o indicador de referência para, pelo menos, um em cada quatro empréstimos da casa em Portugal entrou em território positivo em meados de abril e nos últimos dias já está acima dos 0,1%, deixando a média mensal provisória de abril acima dos 0% - em concreto nos 0,013% - algo que não acontecia desde o início de 2016. E as consequências da inflação combinada com a subida de taxas de juro trarão consequências para as famílias. Segundo os especialistas consultados pelo idealista/news, haverá perda de poder de compra e diminuição da capacidade de poupança dado o aumento das prestações da casa. E alertam ainda que os custos extras podem ser superiores ao que estava previsto. A inevitável subida das taxas de juro pelo BCE A inflação na Zona Euro aumentou para 7,5% em abril, de acordo com a estimativa rápida do Eurostat. Isto quer dizer que está 0,1 pontos percentuais (p.p) acima dos 7,4% registados em março. E tendo em conta Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) que é utilizado pelo BCE para comparar a inflação entre os diferentes países europeus, a inflação em Portugal subiu para 7,4% em abril, mais 1,9 p.p. do que em março (5,5%). Também nos EUA a inflação está nos 8,5%. Estando a inflação em níveis bem superiores aos recomendados - o ideal para o regulador europeu seria fixar-se nos 2% no médio prazo -, “as subidas das taxas de juro diretoras em ambos os lados do Atlântico são um facto”, afirma Manuel Romera, diretor do setor financeiro da IE Business School. Mas quanto poderá subir a taxa de juro diretora na Europa? “Saber se vai haver dois, quatro ou sete aumentos é impossível no momento, mas não há dúvidas que os aumentos são certos e, possivelmente esta é uma inflação muito mais estrutural do que poderemos pensar. Estes aumentos são necessários para manter a inflação controlada”, adianta ainda Manuel Romera, indicando que na Europa a taxa de juro diretora possa acabar o ano a rondar os 1% e nos EUA se fixe perto dos 2%. Também Juan Carlos Higueras, professor da EAE Business School, acredita que "é evidente que as taxas de juro vão subir este ano, porque a atual situação económica e a inflação não permitem que o BCE adie muito mais tempo o fim das taxas a 0%, já que com níveis tão elevados de inflação na Europa, corremos um risco enorme de entrar em estagflação”. Na sua opinião, é muito provável que ocorram várias subidas desta taxa durante o ano, até ficar em torno dos 0,75%. Mas não descarta a hipótese de a taxa diretora terminar 2022 num patamar mais elevado. Estas previsões são reiteradas por María Jesús Fernández, economista sénior da Fundación de las Cajas de Ahorros (Funcas), que admite ainda que poderá haver “aumentos intensos nas taxas de juros, podendo mesmo ficar entre 1,5% e 1,7% em 2023", embora as previsões feitas pelo próprio Funcas não contemplem, hoje, uma evolução tão abrupta. Mas há quem perspetive um cenário mais complexo. Daniel Lacalle, economista-chefe da corretora Tressis, defende que "as taxas de juros devem subir para 3% o mais rápido possível para estar em linha com as expetativas de inflação". Foto de Ketut Subiyanto en Pexels Qual o impacto da inflação e da subida da Euribor nas famílias? Com estas previsões em cima da mesa, os especialistas deixam um alerta às famílias que estão a pagar um crédito habitação de taxa variável indexado à Euribor: aproxima-se um aumento das prestações da casa que poderá ser pior do que o esperado. "Para quem está a pagar um crédito habitação de taxa variável, uma subida dos juros representa uma queda significativa nos rendimentos disponíveis, o que vai reduzir o consumo", argumenta a economista sénior do Funcas. Por outro lado, María Jesús Fernández recorda que, hoje, "as prestações da casa estão em níveis historicamente baixos, portanto, por muito que subam, não deverá ocorrer um cenário dramático”. A subida das taxas de juro terão dois efeitos nos orçamentos familiares: vão, por um lado, reduzir o rendimento disponível e, por outro, diminuir a capacidade de poupança, sublinha Miguel Cabrita, responsável do idealista/créditohabitação em Portugal. “Com a inflação em alta, as famílias vão gastar mais dinheiro e o consequente aumento das prestações da casa para empréstimos de taxa variável vai também reduzir o rendimento mensal disponível pelos agregados que poderia ser usado para outros fins, como por exemplo para engordar as poupanças”, explica Miguel Cabrita, salientando que tudo isto poderá desacelerar o crescimento económico. Foto de Liza Summer en Pexels Esta perspetiva é partilhada pelo professor da EAE Business School. Juan Carlos Higueras acrescenta que “as famílias com empréstimos indexados à Euribor terão um impacto direto no momento da renovação [anual, semestral ou trimestral, dependendo do prazo]. Isso afeta o crédito ao consumo, mas sobretudo a grande parte do crédito habitação de taxa variável. E afetará também quem quiser contratar um empréstimo nos próximos meses, já que as prestações da casa vão ser superiores face ao mesmo rendimento familiar”. Neste artigo, explicamos como é que a subida das taxas Euribor já está a fazer subir as prestações da casa a pagar em maio. Por seu turno, o diretor do setor financeiro da IE Business School alerta para os efeitos que esta alteração da política monetária poderá trazer, sobretudo a médio prazo. “Como a maioria dos créditos habitação são de taxa variável e de longo prazo, a prestação vai subir muito mais do que as pessoas possam pensar nos próximos cinco anos. Se a Euribor estiver em torno de 3% no médio prazo, os pagamentos dos empréstimos da casa podem subir 50%”, alerta Manuel Romera. Que fatores influenciam a subida dos juros? Vivemos, hoje, um momento de incerteza. E as decisões monetárias dependem de vários fatores, incluindo a evolução da inflação ou da economia, recordam os mesmos economistas e especialistas em crédito habitação. A verdade é que há dificuldade em prever quanto vão subir os juros nos próximos tempos. “Como não sabemos como vão evoluir os componentes que influenciam a inflação torna-se difícil prever de que forma vão aumentar as taxas de juro no curto e médio prazo”, refere Miguel Cabrita. A inflação é uma das variáveis mais importantes na agenda do BCE. Controlar os preços na Zona Euro está, de facto, no epicentro de sua estratégia, além de impulsionar a economia e a estabilidade financeira. A missão do regulador europeu passa mesmo por assegurar que a inflação permanece baixa, estável e previsível, situando-se idealmente nos 2% a médio prazo. Mas a subida generalizada dos preços está, hoje, cerca de 5 p.p. acima do desejável. Foto de Angelica Reyn en Pexels “Tudo vai depender se a inflação subjacente também permanecer alta nos próximos meses. Se os eventos não piorarem, em 2023 a alta dos preços terá de moderar, nem que seja apenas pelo efeito comparativo com relação a este ano. Mas ainda é incerto, depende se entrarmos ou não em uma espiral ascendente por via dos salários”, enfatiza a economista sénior do Funcas. Outro dos fatores que podem marcar o ritmo das decisões monetárias, segundo Daniel Lacalle, é o potencial sobreaquecimento do mercado de crédito habitação. De acordo com os dados mais recentes do Banco de Portugal, o apetite por comprar casa com recurso ao crédito bancário continua a existir no país, já que o regulador português deu conta que, em março, o total de empréstimos habitação fixou-se em 97,9 mil milhões de euros, registando uma subida homóloga de 4,8%. “Os empréstimos à habitação não cresciam tanto desde outubro de 2008”, concluiu a entidade liderada por Mário Centeno. Como proteger a carteira? Evitar dívidas novas, amortizar créditos e apostar em taxas de juro fixas Tendo em conta o cenário atual, os especialistas contactados pelo idealista/news reuniram um conjunto de recomendações para que as famílias estejam preparadas para o que está por vir, que se resumem nos seguintes: Amortizar empréstimos de longo prazo, caso haja poupanças disponíveis; Evitar contrair novas dívidas; Mudar de taxa variável para taxa fixa: no caso das famílias optarem por continuar a pagar o crédito habitação, devem considerar a hipótese de mudar de taxa variável para taxa fixa para eliminar riscos e garantir o pagamento das prestações. Isto porque as taxas de juro fixas não variam consoante as flutuações da Euribor. No entendimento do economista Daniel Lacalle, as duas estratégias que as famílias podem adotar para evitar um forte impacto na economia familiar passam por “evitar novos endividamentos e amortizar empréstimos de longo prazo". Note-se que muitos bancos aplicam comissões pela amortização antecipada dos créditos habitação, seja esta uma amortização parcial ou total, pelo que há que ter em conta que reduzir o capital em dívida tem custos associados. Importa recordar que os “aumentos das taxas de juros só afetam diretamente as famílias que tiverem os seus créditos habitação a taxa variável”, sublinha o responsável pelo idealista/crédito habitação em Portugal. E, portanto, uma das formas de garantir estabilidade no pagamento do empréstimo da casa e proteger o orçamento familiar pode passar por mudar a taxa variável para a taxa fixa. “Embora possa acarretar uma despesa maior no curto prazo, fixar a taxa de juro do crédito habitação permite fixar também o montante das prestações da casa a pagar, evitando oscilações trazidas pela flutuação da Euribor”, explica Miguel Cabrita. Foto de Tima Miroshnichenko en Pexels Este é um do conselho dado também pelo diretor do setor financeiro da IE Business School. Uma forma de conter os gastos extras é passar os créditos habitação de taxa variável para taxa fixa, porque, afinal, “as taxas fixas ainda são relativamente baixas, embora não por muito tempo. Ainda existem créditos habitação bem abaixo de 2%”, explica Manuel Romera. Também para María Jesús Fernández, a chave para garantir a estabilidade financeira do orçamento familiar passa também por procurar abrigo na taxa fixa. "Ao contrário do que teria recomendado há três ou quatro anos, talvez agora a taxa de juros fixa seja mais favorável devido ao cenário altamente incerto em que nos encontramos", reconhece a economista sénior do Funcas. Apesar de todo o cenário incerto para as famílias, o professor da EAE vê um lado positivo nesta situação, concluindo que "apesar do aperto nas condições de acesso ao crédito habitação para as famílias, o objetivo da subida das taxas de juro passa por um travão à inflação, o que afeta não só as famílias endividadas, mas também todas as outras, porque a perda do poder compra afeta todos nós”. Partilhar artigo FacebookXPinterestWhatsAppCopiar link Link copiado