Morar no Funchal: o sonho de viver em casas acessíveis Em entrevista, o presidente da Câmara revela que a estratégia passa por criar habitação para jovens e apostar no setor digital. 18 mai 2022 min de leitura Índice de conteúdo Apostar na digitalização para atrair talentos e criar emprego Estrangeiros na Madeira: o fenómeno dos nómadas digitais Preços das casas em alta travam acesso à habitação O desafio de criar habitação para os mais jovens Aproveitar fundos do PRR para construir habitação Cooperativas de habitação: solução para jovens? A Madeira é um destino que atrai turismo dos quatro cantos do mundo. O clima ameno, as praias banhadas pelo Oceano Atlântico, as casas tradicionais, a gastronomia e as suas florestas encantam quem visita a ilha. Mas será que a Madeira tem atraído jovens a residir na região da mesma forma que convida turistas? Não, de forma sustentada. Embora acolha cada vez mais nómadas digitais, a capital madeirense tem visto a população mais jovem residente encolher nos últimos dez anos. E é por isso que, no entender de Pedro Calado, presidente da Câmara Municipal do Funchal, “há que incentivar a criação de habitação para que os jovens se fixem” no concelho, o que passa também pela criação de empregos na área das novas tecnologias, disse em entrevista ao idealista/news. Nesta equação, criar habitação acessível para todas as classes sociais é uma das principais prioridades locais, sendo que à semelhança do resto do país, os preços das casas têm disparado na região. "A política tem de conciliar investimento, atratividade de investimento, definir uma cidade própria para os jovens com casas a preços razoáveis e conseguir atrair novos nichos de mercado além do turismo", Pedro Calado, presidente da Câmara do Funchal São milhares as famílias que visitam a Madeira a cada ano. Mas são ainda poucos os agregados familiares jovens que se estão a fixar na ilha. Assistiu-se a uma “grande diminuição” da população residente até aos 14 anos e até aos 25 anos no concelho do Funchal – caiu na ordem dos 18% a 25% na última década. E, por outro lado, a população com mais de 65 anos cresceu 28%. “Estamos a ter uma população muito mais envelhecida e até a não existência de natalidade (…) As pessoas que nascem não são suficientes para a população ativa que temos hoje, nem para trabalhar para a população mais envelhecida”, reconhece Pedro Calado em entrevista ao idealista/news à margem do Salão Imobiliário de Portugal (SIL) que arrancou na passada quinta-feira, dia 12 de maio de 2022. Na hora de definir políticas de urbanismo para a cidade, “é preciso ter esses dados em conta”, aponta o autarca do Funchal. E não só. “Esta política tem de conciliar investimento, atratividade de investimento, definir uma cidade própria para os jovens com casas a preços razoáveis e conseguir atrair novos nichos de mercado além do turismo”, defende ainda Pedro Calado na mesma entrevista. Funchal, Madeira / Wikimedia commons Apostar na digitalização para atrair talentos e criar emprego O turismo é um dos pontos fortes da ilha da Madeira. As suas praias estão entre as 10 mais belas no ranking da European Best Destinations, entidade que considerou mesmo esta ilha portuguesa como o terceiro destino mais exclusivo da Europa. E, além disso, nos últimos anos também passou a ser mais acessível e fácil voar para a região, com a chegada de companhias aéreas 'low-cost' ao Funchal, como é o caso da easyJet e da Ryanair. Mas embora a ilha conviva bem com o setor turístico, não quer depender dele, em exclusivo. “Temos de ter cuidado com o turismo, que representa 26% do nosso PIB, porque estar só dependente de uma grande fatia de mercado que é o turismo é perigoso”, alerta o autarca madeirense, admitindo as dificuldades sentidas na economia da região quando a afluência de turistas caiu devido às restrições à circulação, impostas durante a pandemia. Por tudo isto, Pedro Calado considera que “o turismo é positivo” para a região, “mas que não pode, nem deve ser, o elemento fundamental do desenvolvimento da economia”. Pedro Calado, presidente da Câmara Municipal do Funchal / Créditos: Diogo Coelho para o idealista/news Neste contexto, o presidente da Câmara do Funchal agora quer “aproveitar a digitalização para incentivar a "criação de um outro ramo de negócios além do turismo”. E isso passa por apostar na: transição digital; informática; e-games; criptomoedas. “Tudo que diz respeito à informatização, computorização, digitalização e modernização de sistema informáticos deve ser uma área a explorar e nós temos potencial para fazer isso no nosso centro internacional de negócios da Madeira”, que, segundo revela o autarca do Funchal, já acolhe “muitas empresas que estão hoje sediadas na região e aproveitam a mão de obra da Universidade da Madeira" Ou seja, "há pessoas e jovens que se licenciam em engenharia informática e que trabalham a partir da Madeira para todo o mundo”, frisa o responsável. “Há que potenciar estes jovens e criar condições para eles se fixarem na região”, que passam por criar empregos e também por “ter uma política de habitação atrativa e não a preços de luxo, porque quem começa hoje a trabalhar não consegue pagar uma habitação a 5.000, 6.000 ou 7.000 euros por metro quadrado”, admite o autarca madeirense. Funchal, Madeira / Pixabay Estrangeiros na Madeira: o fenómeno dos nómadas digitais A verdade é que a possibilidade de trabalhar remotamente a partir da Madeira para qualquer parte do planeta também tem atraído nómadas digitais para a viver na região. O programa Digital Nomads Madeira, desenvolvido pela Secretaria Regional da Economia através da Startup Madeira, recebeu mais de 4.000 inscrições até ao final de fevereiro, altura em que já havia recebido na Ponta do Sol 75 nómadas digitais oriundos de vários países, como Alemanha, Polónia e Roménia. A questão é que a chegada dos talentos estrangeiros poderá dar gás ao aumento dos preços das casas na região, por via do aumento da procura para a oferta existente e dos rendimentos disponíveis. Além disso, “atrair só investimento estrangeiro e afastar a população do centro da cidade é um erro e esse erro futuramente pode-se pagar caro”, considera Pedro Calado, explicando que a “captação de investimento de estrangeiro traz aumento do preço das casas e (…) cria problemas as pessoas de classe média que querem comprar casa”. Só ao abrigo dos vistos gold, a ilha onde nasceu o futebolista Cristiano Ronaldo captou um investimento estrangeiro de 60 milhões de euros entre 2017 e 2021, sobretudo no setor imobiliário, que corresponde a 50 autorizações de residência, segundo informou o Governo Regional. Os investimentos nos vistos gold foram realizados, sobretudo, na área residencial de luxo. A Madeira e, em particular, o Funchal têm hoje o desafio de encontrar um equilíbrio entre as diferentes frentes. “Temos de ter uma cidade preparada para atrair talentos, para atrair residentes, olhando também para os nómadas digitais”, referiu na conferência em que participou no SIL sobre o futuro das cidades. "A grande preocupação é adaptar as cidades as pessoas”, reconheceu ainda. Ilha da Madeira / Foto de Erik Karits en Pexels Preços das casas em alta travam acesso à habitação À semelhança do resto do país, o mercado residencial no Funchal está em alta. Os preços das casas continuam a subir, tanto para comprar como para arrendar. No primeiro trimestre de 2022, comprar casa na capital da madeira ficou 5,5% mais caro face ao mesmo período do ano passado, fixando-se nos 2.227 euros/m2, de acordo com os dados do idealista. E as casas para arrendar no Funchal encareceram 10% entre estes dois momentos, ficando pelos 9,7 euros/m2/mês, mostram os dados. Este aumento dos preços das casas - agravado pela inflação decorrente da guerra da Ucrânia - tem afastado cada vez mais famílias de ambos os mercados. E os pedidos de ajuda à Investimentos Habitacionais da Madeira (IHM) têm-se multiplicado: “Verificou-se, em 2021, um incremento significativo dos pedidos de apoio do lHM, não só devido aos efeitos da pandemia, mas também do agravar da escalada das rendas e dos preços de aquisição da habitação, fenómenos que se juntam aos efeitos das responsabilidades bancárias de crédito ao consumo, que as famílias foram acumulando ao longo de muitos anos”, lê-se no Relatório e Contas de 2021 publicado recentemente. Para muitos, a habitação social - destinada ao arrendamento de famílias com fracos recursos económicos e carências habitacionais, segundo esclarece o documento - é a única opção em cima da mesa. E muito embora tenha sido feito trabalho nesse âmbito por via da reabilitação de habitações existentes, só a Câmara do Funchal ainda tinha, em 2021, uma lista de espera com 2.523 pedidos, um número superior ao registado em 2020 (2.469). "Temos de estar atentos no sentido de evitar aquilo que se passou em cidades como o Porto e Lisboa, onde a subida abrupta do preço das habitações levou a que os habitantes não consigam encontrar casas a preços acessíveis, sobretudo as novas gerações”, explicou no final de abril Miguel Albuquerque, presidente do Governo da Madeira. Miguel Albuquerque sublinhou a importância do investimento na habitação a custos controlados, defendendo que "esta é uma forma de disponibilizarmos, através de apoios direitos e indiretos, uma oferta de habitações a preços acessíveis para todos as classes sociais e sobretudo para jovens casais e novas gerações”, disse. Funchal, Madeira / Imagem de Bernhard Post por Pixabay O desafio de criar habitação para os mais jovens Criar habitação para promover a fixação de residentes mais jovens é um dos desafios reconhecidos pelo autarca da capital madeirense. E para que isso seja possível argumenta ser necessário atuar em diferentes frentes e segmentos de mercado, dos mais desfavorecidos à classe média. Como é que isso se faz? Combinando precisamente várias estratégias – como a Estratégia Regional de Habitação do RAM -, criando cooperativas de habitação e não esquecendo os apoios públicos vindos do Plano de Recuperação e Resiliência. Aproveitar fundos do PRR para construir habitação A Região Autónoma da Madeira tem 136 milhões de euros do PRR para reduzir as carências habitacionais identificadas na região em cerca de 30% até 2026, lê-se no relatório. A ideia passa por apoiar 1.400 famílias na habitação, construindo 783 fogos nos próximos quatro anos. De acordo com o relatório divulgado pela IHM, os fundos do PRR vão ser aplicados da seguinte forma: Realojamento de 1.121 famílias em novas habitações a custos controlados e eficientes, aplicando 128 milhões de euros. De acordo com João Pedro Sousa, presidente da IHM, pretende-se com este investimento “direcionar os fogos para a classe média, em particular casais jovens em início de vida profissional”. Apoio financeiro à reabilitação de 325 habitações próprias para melhorar a eficiência energética (6 milhões de euros); Implementação de sistemas de informação e soluções e-government no setor da habitação (1,6 milhões). Mas a nova situação geopolítica poderá colocar todos este investimento em causa, admite o autarca do Funchal: com os custos das matérias-primas a aumentar, a par da falta de mão de obra na construção, “corremos o risco de perder a oportunidade” de usar estes fundos. “Esta é a altura certa para debater com a União Europeia o prolongamento ou prorrogação dos prazos que nos foram impostos [no âmbito do PRR]. Este é um problema que não é só de Portugal, é um problema que todos os Estados-membros têm”, sublinhou em entrevista Pedro Calado. “Hoje, todas as geográficas europeias estão a ter dificuldades [na construção] pelo conflito que existe entre a Rússia e a Ucrânia, pelo que se não se dá este passo vamos acabar todos por perder esta oportunidade e vamos ficar piores do que estávamos antes da pandemia, no final de 2019”, considera o presidente da Câmara do Funchal, sugerindo ainda que “tem que haver aqui uma atenção política no sentido de sensibilizar as entidades europeias para adaptar a legislação e as ajudas económicas e financeiras que estão a ser dadas aos Estados-membros para permitir o desenvolvimento económico e social que foi prometido com os fundos do PRR”. Também Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, sugeriu esta terça-feira que os prazos de implementação do PRR devem ser alargados: "Esses instrumentos têm um prazo de implementação muito curto, o que associado a dificuldades da oferta que temos hoje, elas próprias geradoras de pressões inflacionistas, talvez pudéssemos por aí aliviar uma parte das pressões inflacionistas se colocássemos estas matérias num período de implementação mais longo“. Funchal, Madeira / Wikimedia commons Cooperativas de habitação: solução para jovens? Uma das soluções para criar habitação para os jovens passa mesmo pelas cooperativas de habitação, que podem ser um meio para aceder ao financiamento do Estado por via da habitação de custos controlados. “Tem de haver uma ajuda quer municipal quer do Estado para fomentar, por exemplo, cooperativas de habitação jovem”, disse Pedro Calado na entrevista, referindo que estas cooperativas que podem construir habitações aquedadas às necessidades dos jovens, como T0 ou T1. “É preciso incentivar a criação de habitação para que os jovens possam iniciar a sua vida. E para fazer isso tem de haver um incentivo económico, tem de haver um incentivo fiscal, um incentivo de fixação de residência no centro do Funchal, criar condições de incentivo à natalidade e até mexer na legislação do trabalho, que é importantíssimo”, enumera o autarca da capital madeirense, explicando que “não se pode obrigar uma mãe a trabalhar 8 ou 10 horas por dia durante cinco dias da semana”, devendo-se “criar incentivo para que esta mãe trabalhe antes 3 ou 4 dias por semana, 5 ou 6 horas". “Esta adaptação à realidade que tem de ser feita, esta gestão com as pessoas que tem de ser feita de forma diferente. E não é só uma política são várias políticas que nós temos de trabalhar em conjunto para tornar uma cidade atrativa à população, aos jovens e, sobretudo, criar condições para o seu desenvolvimento”, conclui o presidente da Câmara do Funchal. Ilha da Madeira / Foto de Erik Karits en Pexels Partilhar artigo FacebookXPinterestWhatsAppCopiar link Link copiado