"Para reduzir a fatura energética temos de optar por soluções de energia sustentáveis" Nomeada ao prémio de Mulheres em Energia da Comissão Europeia, Andreia Melo Carreiro fala-nos dos principais desafios do setor. 16 set 2022 min de leitura O setor energético vive um período repleto de desafios, não só em Portugal, como em todo o mundo. A União Europeia acaba de aprovar um plano para combater a crise energética e cada país, individualmente, tem de tomar medidas para fazer face à escassez de recursos e ao consequente aumento dos preços. Tendo em conta o complexo cenário atual, agudizado pela guerra da Rússia na Ucrânia e a alta inflação, as energias renováveis e o autoconsumo são soluções que estão, cada vez mais, na ordem do dia também em Portugal. Disso mesmo dá conta, em entrevista ao idealista/news, Andreia Melo Carreiro, nomeada aos Prémios Europeus de Energia Sustentável (EUSEW2022) na categoria de “Women in Energy”. "Para reduzir a fatura energética temos de optar por soluções de energia sustentáveis", defende. A responsável não esconde a ambição de incentivar a participação ativa dos cidadãos na definição de políticas relacionadas com o setor energético, algo que considera crítico, e revela-nos algumas das suas sugestões para poupar nas despesas de luz e gás. Atual Responsável por Projetos Estratégicos, Inovação e Política Energética na Cleanwatts, Andreia Melo Carreiro tem sido uma presença ativa no setor a nível nacional e esteve também envolvida na fundação da Kinergy, uma empresa chave nos Açores, que visa modificar a forma como os habitantes da ilha olham para as energias renováveis. Decidimos assim falar com este rosto de mudança que ambiciona sensibilizar os portugueses na transição para energias mais verdes e limpas. A votação para os prémios EUSEW2022 está aberta ao público até ao próximo dia 18 de setembro. Os vencedores serão anunciados a 26 de setembro de 2022. Qual é a sensação de estar nomeada para a categoria de “Woman in Energy” nos prémios EUSEW2022? Estar entre as finalistas ao prémio europeu “Women in Energy” é uma honra para mim. Vejo-o como um reconhecimento pelo trabalho desenvolvido até aqui. E, com isto, surge uma motivação cada vez maior para continuar a fazer mais e melhor. Qual é a principal motivação diária ao atuar no setor energético? O que mais me motiva no setor energético é o facto de acreditar que a energia é a arma mais eficaz para combater as alterações climáticas e assegurar a sustentabilidade do planeta, a nível ambiental, social e económico. Há uma enorme vontade de criar alternativas para combater a atual crise energética, que tenho encarado com preocupação. Precisamos rapidamente de descarbonizar o setor, torná-lo menos dependente de fontes externas, apostar na integração de renováveis de forma centralizada e descentralizada, democratizando a energia ao incrementar o seu acesso universal. Para tal, devemos tornar o utilizador final num agente ativo, capaz de consumir, produzir, armazenar e providenciar serviços energéticos, através do uso dos recursos energéticos distribuídos. É crucial uma maior digitalização e efetiva inteligência das redes, capazes de medir e agir no mais curto espaço de tempo. Precisamos rapidamente de descarbonizar o setor, torná-lo menos dependente de fontes externas, apostar na integração de renováveis de forma centralizada e descentralizada, democratizando a energia ao incrementar o seu acesso universal. Tendo em conta a vasta experiência no setor, que leitura faz da constante subida dos preços do gás natural e da eletricidade em Portugal? O aumento significativo dos preços da energia começou em meados de 2021, devido à elevada procura mundial após os períodos de confinamento e fruto da retoma da atividade económica. Tudo se agudizou com a Guerra na Ucrânia, traduzida num crescente aumento do preço do gás, eletricidade e combustíveis de uma forma geral, o que constitui um enorme desafio a toda a manutenção da atividade económica. Portanto, a necessidade de acelerar a transição energética é premente, não só para dar cumprimento ao desígnio europeu da neutralidade carbónica, mas, mais do que nunca, para enfrentar a crise atual, que tem vindo a ganhar relevo. Encaro esta subida com a certeza de que só a poderemos enfrentar com medidas e abordagens distintas das que conhecemos e adotamos nos dias de hoje. Isto exige uma mudança de paradigma e uma mudança comportamental de cada um de nós no que ao uso de energia diz respeito. Precisamos de medidas sustentáveis do ponto de vista financeiro e que sejam eficazes nos seus resultados, a curto e a longo prazo. Para tal, é crucial resolver a origem do problema – o consumo, a produção e a estabilidade do sistema. Pelo que há que acelerar e estimular a transição energética, simplificar os processos administrativos (por exemplo, em matéria de licenciamento) no âmbito do autoconsumo e das comunidades de energia renovável, bem como estimular a participação ativa do cidadão. Quão relevante é a necessidade de apostarmos em soluções de energia sustentáveis e inovadoras para os próximos tempos? Só é possível reduzir a fatura energética de forma efetiva se optarmos por soluções de energia sustentáveis com preços cada vez mais competitivos no mercado, apesar das oscilações que tem vindo a sofrer. Unsplash Para reduzir custos energéticos é necessário recorrer a equipamentos mais eficientes e com elevado desempenho. Produzir localmente parte da energia que consumimos e, além disso, devemos adotar comportamentos assentes num uso racional da energia, em casa, no trabalho e na nossa mobilidade. Precisamos de medidas sustentáveis do ponto de vista financeiro e que sejam eficazes nos seus resultados, a curto e a longo prazo. Para tal, é crucial resolver a origem do problema – o consumo, a produção e a estabilidade do sistema. Pelo que há que acelerar e estimular a transição energética, simplificar os processos administrativos (por exemplo, em matéria de licenciamento) no âmbito do autoconsumo e das comunidades de energia renovável, bem como estimular a participação ativa do cidadão. Sente que os portugueses estão mais recetivos aos sistemas sustentáveis ou ainda existe algum desconhecimento ou receio perante os mesmos? Creio que ainda há um longo caminho a percorrer, todos sentem a necessidade de reduzir os custos energéticos, mas creio que nem todos sabem das ferramentas que estão ao dispor. Por exemplo, o investimento inicial para alcançar poupanças energéticas tem sido um entrave. Há soluções no mercado - e a Cleanwatts oferece-as, à semelhança de outros 'players' - que consistem no desenvolvimento de projetos de autoconsumo de energia e comunidades de energia em que o utilizador final não tem custos iniciais para as implementar. O consumidor poderá usufruir de energia limpa para satisfazer as suas necessidades de consumo a um custo significativamente inferior ao da sua fatura de eletricidade atual. De que forma olha a Europa para Portugal em termos energéticos? Com a mesma preocupação com que olho para Portugal e para o mundo em geral. Contudo, acresce a elevada dependência externa da Europa em termos energéticos, com impactos negativos a nível económico, afetando também a qualidade de vida e bem-estar dos cidadãos. Assim, descarbonizar e acelerar a transição energética é crucial. Como surgiu a ideia de lançar a mobilidade elétrica nos Açores, e como foi trabalhar neste projeto? A necessidade de apostar na mobilidade elétrica nos Açores era uma premência num contexto insular. Não havia qualquer justificação para ainda não ter ocorrido, pois só há vantagens no curto, médio e longo prazo. Isto nota-se tanto para o utilizador dos veículos elétricos quer para a região como um todo. Os constrangimentos típicos associados ao uso do veículo elétrico não se colocam nos Açores, onde as distâncias a percorrer com os veículos são curtas, logo as autonomias dos veículos são mais que suficientes. Com a mobilidade elétrica há menos importação de combustíveis fósseis, sendo os Açores altamente dependentes destes recursos, mais uso de renováveis e poupanças na fatura energética associada à mobilidade. Para o efeito, necessitou-se de criar a legislação, bem como um plano de ação estratégico composto por um conjunto de medidas, onde se incluiu a criação de uma infraestrutura de carregamento em todos os concelhos (para assegurar mais confiança e segurança aquando o uso do veículo elétrico), sensibilizar os cidadãos para as inúmeras vantagens da mobilidade elétrica e criar um sistema de incentivo que apoiasse a aquisição de veículos elétricos - incluindo os de mobilidade suave, bem como os pontos de carregamento de acesso público e privado. Unsplash Creio que os Açores têm as condições ideais para poderem adotar uma mobilidade terrestre 100% renovável, em coerência com a certificação internacional de destino sustentável. Será que nos poderia contar um pouco do seu papel da Kinergy e o que tem sido feito, em termos práticos, para garantir a transição energética dos Açores? É ainda necessária uma sensibilização da população açoriana sobre este ponto? A Kinergy surge por inspiração na Cleanwatts, empresa onde desempenho a minha atividade profissional. Foi fundada este ano e está a dar os seus primeiros passos. As Comunidades de Energia Renovável possibilitam a junção de um conjunto de edifícios industriais, empresariais ou residenciais, na produção de energia a partir de fontes renováveis nas proximidades do local de consumo. Isso resulta na redução dos custos de produção e transporte, bem como na redução de perdas energéticas face ao consumo de grandes centrais, a quilómetros de distância. Nasceu com o propósito claro de acelerar a transição e a autonomia energética das ilhas (sistemas isolados de energia) e contribuir para o aumento da competitividade e descarbonização, em linha com os objetivos do desenvolvimento sustentável. Pretendemos desenvolver projetos assentes em fontes renováveis, eficiência energética e mobilidade elétrica, bem como gerir e implementar projetos de autoconsumo coletivo e gestão de energia. Sempre que possível queremos incluir famílias economicamente vulneráveis, para combater a pobreza energética e as alterações climáticas. Em Portugal já há várias comunidades de energia renováveis mas haverá margem para mais? As cooperativas entre vizinhos podem ser uma boa solução? As Comunidades de Energia Renovável (CER) são recentes. Portugal tem já bons exemplos, que permitem que este modelo seja aceite e reconhecido como uma forma de democratizar o setor energético com a participação ativa dos utilizadores. As CER possibilitam a junção de um conjunto de edifícios industriais, empresariais ou residenciais, na produção de energia a partir de fontes renováveis nas proximidades do local de consumo. Isso resulta numa descarbonização do consumo associado a uma redução de custos energéticos. Leva depois à redução de custos de produção, dos custos de transporte e redução de perdas energéticas face ao consumo de grandes centrais, a quilómetros de distância. A partir de agora podem consumir, armazenar, comprar e vender energia, com os seus membros ou com terceiros, bem como partilhar, comercializar e transacionar numa lógica peer-to-peer a energia renovável produzida localmente entre os membros da comunidade. Além disso, há possibilidade de injetá-la na rede, podendo esta ser usufruída por pontos de consumo próximos. Haverá um maior equilíbrio de rede para fazer face à crescente eletrificação dos consumos nos mais diversos setores. França decidiu que vai proibir os arrendamentos de casas pouco eficientes já no próximo ano, e apoiar os proprietários nesta transição que visa a poupança do consumo de energia e a luta nas alterações climáticas. Como vê esta iniciativa? Portugal deveria pensar num modelo semelhante? Confesso que não conheço o diploma em causa, nem detalhes da medida, contudo, as medidas radicais não são as mais eficazes. É fundamental estimular o aumento do desempenho energético dos edifícios em todo o seu espectro. Por exemplo, há famílias economicamente vulneráveis, proprietárias de edifícios antigos, em que os requisitos de construção aquando da aquisição das mesmas eram incomparavelmente menos exigentes que as atuais. Não é justo “obrigar” que esta família faça uma remodelação profunda na sua habitação para a poder arrendar sem que haja qualquer apoio para o fazer. Assim, defendo um estímulo e incentivo à reabilitação e à renovação dos edifícios, em linha com a iniciativa Europeia «Vaga de Renovação», para que seja possível alcançar um maior desempenho energético e ambiental do edifício, associado a uma maior eficiência energética, possibilitando a melhoria dos níveis de conforto térmico, enquanto se reduz a fatura energética associada para satisfazer as necessidades de consumo. Partilhar artigo FacebookXPinterestWhatsAppCopiar link Link copiado